quinta-feira, 26 de março de 2009

Entrevista a José Rodrigues dos Santos no JN


"Literatura portuguesa hostilizava os leitores"

Mesmo sem ter sido o maior 'best seller' de José Rodrigues dos Santos, "A vida num sopro" foi um dos livros portugueses mais vendidos em 2008. Para o escritor-jornalista - que se apresta para lançar novo romance em Outubro - a explicação para o êxito é simples: o público português sentia falta de "boas histórias".


Segundo dados da Bertrand e da Fnac, voltou a ser um dos autores portugueses com mais livros vendidos no ano passado. Para si, esse é o maior dos prémios?


Não escrevo para mim nem para os meus amigos; escrevo para as pessoas. O facto de os meus livros estarem a ter esta aceitação generalizada em Portugal e terem tradução para 15 línguas mostra que a minha obra está a agradar aos leitores.


Sente que o seu êxito não tem sido bem assimilado pelo meio literário, que o vê ainda como um "intruso"?


Admito que sim e agrada-me ser um "outsider". Em geral, os "establishments" não gostam do que vai contra as suas ideias feitas e a ordem estabelecida, mas a verdade é que alguém tinha de o fazer para atrair os leitores de volta às letras portuguesas. A situação anterior, em que as pessoas preferiam ler autores estrangeiros, é que não me parecia aceitável; e se ela acontecia, a culpa não era decerto dos leitores, mas dos autores portugueses que não os conseguiam seduzir.

Como viu os comentários depreciativos de António Lobo Antunes sobre o seu mais recente romance?


Soltei uma gargalhada. Mas depois fiquei surpreendido porque li que, sendo questionado sobre o assunto, terá admitido que não leu o livro. Como podemos não gostar de um romance que não lemos? Só por preconceito.


Tem amizades no meio literário?


Poucas. Não frequento os círculos literários. Não por preconceito ou sobranceria, mas porque tenho sempre muito para fazer.


Sente que tem responsabilidade no peso crescente dos autores portugueses nos tops de vendas?


As letras portuguesas viviam muito fechadas em si mesmas, os autores faziam gala em dizer que não queriam saber do público para nada e escreviam de uma forma muito difícil. Até parecia que havia intenção em hostilizar os leitores. Isso é evidente que afastou o público. Para o reconquistar foi preciso apostar em histórias interessantes e contadas de uma forma fluida e ritmada.


Admite escrever um romance com uma estrutura não convencional, próxima da concepção da crítica?


Não vejo qualquer interesse em fazê-lo. O difícil, insisto, é escrever claro. Esse é o desafio que me imponho quando me embrenho na criação dos meus livros.


A separação entre literatura popular e literatura de qualidade é uma invenção dos académicos?


Quem decide o que é qualidade? Quem são as pessoas que fazem parte do comité que toma essas decisões? Existe esse comité? Quem o elegeu? O conceito de qualidade é subjectivo e está a ser usado para defender preconceitos e até interesses estabelecidos. Se uma pessoa gosta de um livro e outra pessoa não, como posso saber que uma tem razão e a outra não? Ninguém pode determinar que um é melhor do que o outro. São apenas diferentes. É por isso que eu dou um conselho aos leitores: não leiam uma coisa só porque alguém diz que é de grande qualidade. A leitura não deve ser sacrifício; tem de ser um prazer.


Ter muitos livros vendidos não significa que se seja muito lido?


É verdade, mas as pessoas têm vergonha de o assumir porque receiam serem gozadas provavelmente por outras pessoas que também não os leram. Esses livros são comprados para serem colocados na estante como um objecto de prestígio, não necessariamente como objecto de leitura.

(Entrevista de Sérgio Almeida, publicada aqui)

1 comentário:

MorTo Vivo disse...

eu li o livro e adorei, o entrevista leio + logo...

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