SINOPSE:
"Ficámos instalados no Hotel Lusitano, uma espelunca de quatro andares situada nas traseiras do Hotel Mundial, onde entráramos primeiro a ver os preços, mas do qual desistimos por razões óbvias. De qualquer modo, estávamos ao pé do centro da cidade, e isso era o mais importante. Em menos de um minuto púnhamo-nos no Rossio, a praça central. Aliás, o próprio Hotel Mundial ficava por detrás da Praça da Figueira, que por sua vez ficava atrás do Rossio. Que era, como foi dito, a praça central, isto é, o centro. À primeira vista, parece complicado, mas in loco vê-se que é fácil. Acreditem. Se não acreditarem, vão comer sabão.
O quarto não era a oitava maravilha do mundo - as paredes cobertas de um papel berrante tipo mata-moscas, por exemplo, estavam a cair. Mas as camas eram minimamente confortáveis, e mais não se podia pedir quando se ia para a selva não é? L'aventure c'est l'aventure. E aquele quarto até tinha duche, só que (descobri-o dolorosamente) a água quente não era propriamente a mais assídua das visitas. Mas não nos importámos. Tínhamos de ser enérgicos, decidíramos. Desporto. Exercício. Desporto. Exercício. Um, dois, um, dois."
"Dois americanos vêm a Lisboa, ao engano. Que lhes pode acontecer? Sexo, aventura, morte. Muita acção, sangue q.b., duas lágrimas de mar salgado, três de humor, tudo frito em lume brando, como de costume.
Finalmente, em livro, a história em que Gene Kelly se inspirou para filmar Um Americano em Paris."
Este é o primeiro livro de Rui Zink que li e confesso que me surpreendeu. Gostei bastante. A história retrata as vivências de dois americanos (um pintor e um escritor) em Lisboa. A viagem começa por ser uma total incógnita, pois nenhum deles sabe mais de Portugal do que o que leram num guia turístico. O destino fora escolhido ao assistirem à vitória de Carlos Lopes na Maratona dos Jogos Olímpicos, pela televisão. Nada sabiam do país, apenas que era barato. E era disso que precisavam: de um país barato!
Ao chegarem a Lisboa iniciam o seu conhecimento da cidade e da sua gente, ajudados por Mário, um pintor que conhecem numa exposição. Entre paixões, aventuras e até uma prisão, Rui Zink faz um retrato de Portugal e da sua gente, com um humor brilhante.
Deixo aqui dois excertos:
"A multidão que percorria o Chiado - a Tifany's Street de Lisboa - era, como é natural, constituída pelos mais diversos tipos fisiológicos, mas o modelo predominante era indubitavelmente o atarracado-baixote, tanto nos homens como nas mulheres. Roupagens escuras, pretas, cinzentas, castanhas, estados de espírito da mesma cor estampadas no rosto, com ou sem sacos de plástico numa mão e malinha na outra, era um divertido espectáculo vê-los a andar de um lado para o outro, como carrinhos de choque numa feira de província."
"Esta gente tem algo de medieval. Por exemplo não têm grande noção do que é um espaço próprio, individual. Na rua andam todos aos encontrões, ninguém se desvia, cospem para o chão. No autocarro, eu, que tenho quase o dobro do tamanho da maioria deles, é que sou obrigado a encolher-me para que um qualquer pequenitates de pernas arqueadas ocupe dois terços do banco. Na rua, em horas de ponta, tenho de andar como por entre a chuva, de lado, a contorcer-me, para não chocar com esta velhota, aquele gajo, esta mãe com os seus dois filhos. Merda, acaba por irritar."
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